terça-feira, 2 de agosto de 2016

VEM, VAMOS EMBORA 

Geraldo Vandré - Personagem


Final de 2005. Quem vier a frequentar aquele restaurante simples no centro de São Paulo, poderá julgar familiar o rosto de um cidadão de bigode e cabelos longos e grisalhos, cliente habitual do local. Aquelas feições remetem a velhas fotos dos anos 60, a documentários sobre a ditadura militar que comandou o Brasil com mão de ferro até 1985.

Sim, é ele mesmo, que se tornou uma lenda da cultura popular do país. Um ícone da resistência ao governo militar : Geraldo Vandré. O mesmo Vandré que cantou sua “Caminhando”, canção provocativa, no Festival Internacional da Canção (FIC), em outubro de 1968, num Maracanãzinho lotado. Aplausos delirantes à canção, premiada com o segundo lugar no festival. Vaias estrondosas à hoje clássica “Sabiá”, de Jobim e Chico Buarque, a vencedora daquele evento. A platéia queria Vandré em primeiro.

Quinze dias depois, novo encontro com Vandré, no mesmo restaurante, quase em frente à Biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo. Agora de cabelos curtos, e sem bigode, ele se parece mais com aquelas fotos antigas. Apenas o cabelo embranqueceu, mas ele parece continuar forte e com ótima saúde.  E sua narrativa lembra momentos tormentosos de sua vida pessoal. E da história do país.

 “No dia 13 de dezembro de 68 (data do anúncio do AI-5), eu estava em Goiânia, fazendo um show. Teria um show em Brasília, no dia seguinte, quando recebi um telefonema de um oficial do exército, me dizendo : não tem mais show, está tudo cancelado. Peguei o meu carro e vim, com meu empresário e com Naná Vasconcelos, que tocava comigo, direto pra São Paulo. No caminho, o rádio falava de prisões, de cassações, e eu sabia que viriam atrás de mim”.

Passou dias escondido, e finalmente se exilou. E passou quase cinco anos fora do Brasil.

“Voltei num avião da Lan Chile, desembarquei no Galeão no dia 14 de julho, queda da Bastilha. Fui preso imediatamente, e durante dias tive que prestar depoimentos e depoimentos...” Vandré não fala de tortura, mas sua narrativa sugere um implícito acordo feito com os militares.

“Me fizeram entrar num avião da Varig e viajar para Brasília. Lá chegando, me filmaram, como seu eu estivesse chegando ao Brasil naquele dia. A Globo me entrevistou, me perguntaram do Chile, e lá eu falei que só se dava bem musicalmente quem fosse do partido.”

A matéria foi ao ar dias depois, exatamente na data em que ocorria o sangrento golpe de estado no Chile, que depôs o presidente Salvador Allende. Em pleno “Jornal Nacional”, um Vandré “paz e amor”, enaltecendo as canções de amor, e criticando o partido chileno, na mesma noite em que se divulgava a queda de Allende. Perplexidade em todos os espectadores que se habituaram com aquela imagem do Vandré combativo, autor de versos veementes em defesa da liberdade.

“O ultimo show que fiz no Brasil foi naquela noite do AI-5, 13 de dezembro de 1968. Nunca mais fiz, nem farei shows no Brasil”.  Por que, Vandré ? “Pelos caras que criaram esse crime formal chamado república federativa do Brasil”. Mas e os militares, Vandré ? Não eram eles os seus algozes ? Numa confusa explicação, Vandré defende os militares, critica a constituinte de 88, critica Lula, e exalta – como vem fazendo há anos – uma das suas canções inéditas, “Fabiana”, feita em homenagem a quem ? À FAB – Força Aérea Brasileira....

Aposentado do serviço público federal, Vandré fala de projetos, de fazer um disco com canções em espanhol, “pra gravar lá fora, e fazer shows fora do Brasil”. Tem muitas canções no baú, mas não pretende mostrá-la aos brasileiros. 

Meu encontro com aquele cidadão atormentado partiu de um convite de um amigo querido – e também ícone da música popular brasileira. Walter Franco me ligara, uma semana antes do primeiro encontro : - Vou almoçar com o Vandré, e quero que você vá comigo !

Deveria ter gravado aquele almoço. Já no final, ante o interesse de Walter de fazerem um show juntos, Vandré pergunta, inopinadamente :

- Walter, você vai para o sul ?

- Como assim, Vandré ? Ir para o sul ?

- Fazer um show no sul ?

Meio sem entender a pergunta, Walter respondeu com um ar de “sim, posso ir”.

A resposta de Vandré :

- Vá fazer um show em Santana do Livramento, e eu irei a Passo de Los Libres. Faremos um show na fronteira : você no lado brasileiro, eu no lado argentino. Porque no Brasil eu não canto nunca mais.

Como em várias outras coisas ditas naqueles dois almoços, ficou aquele ar de “ele está falando sério ou está zoando da gente” ?

Recentemente, saíram as duas primeiras biografias desse personagem enigmático. Nenhuma delas avançou muito além do que eu captara há dez anos. O Geraldo Vandré de 2006 continuava sendo um enigma. E o de 2016 ainda o é, maior ainda.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

HINO DA PROCLAMACAO DA REPUBLICA - hino


Os mais antigos, como eu, cantavam na escola esse hino de letra horrorosa, que em certas passagens diz "Seja um pálio de luz desdobrado/ sob a larga amplidão desses céus/ esse canto rebel que o passado/ Vem remir dos mais torpes labéus!"(???) ..."nosso augusto estandarte que, puro, brilha, ovante (???), da Pátria no altar !"

Outro trecho inacreditável diz que "o Brasil já surgiu libertado / Sobre as púrpuras régias de pé ! Eia, pois, brasileiros, avante ! Verdes louros colhamos louçãos!" (????)

Assim mesmo, cheio de exclamações, e outros "transes supremos", "rubro lampejos da aurora", "grito soberbo de fé", e outros exageros dignos do século XIX.

É claro que, pra compensar esse palavrório, tem aquele refrão mortal e imortal : "Liberdade/ liberdade / abre as asas sobre nós/ das lutas, na tempestade/ dá que ouçamos tua voz". Pois mesmo com essa letra gongórica do jornalista pernambucano Medeiros de Albuquerque, para mim esse é o hino mais bonito já composto... na historia da humanidade ! Juro de pés juntos, sem qualquer desdouro a "La Marseilleise", "God save the queen"e outras heróicas obras do gênero. A criação musical do nosso hino, do excelente compositor Leopoldo Miguez, é coisa linda, primorosa.

Sua história é curiosa. Quando foi proclamada a república, o governo provisório, dirigido pelo Marechal Deodoro da Fonseca, decidiu fazer um concurso para escolher o Hino Nacional, condizente com os novos tempos. Como resquício do império, havia um tema instrumental, composto por Francisco Manoel da Silva em 1831, quando Dom Pedro I iria partir para Portugal e deixar em seu lugar o filho Pedro II, ainda um menino. Esse tema teve duas ou três letras, que acabaram sendo deixadas de lado, tendo subsistido apenas a parte musical, que desde então passou a ser executada em cerimônias cívicas. Pois o Marechal Deodoro da Fonseca não o queria mais, por julgar que aquela obra musical estava identificada com o recém-derrubado governo imperial. Cheio de temores, aquele primeiro e ainda instável governo republicano queria um novo hino, que simbolizasse a República.

O governo federal criou então um concurso, que acabou dando o primeiro lugar ao tema de Leopoldo Miguez, sobre o poema de Medeiros de Albuquerque. Ocorre que, inseguro, recém-constituído, o governo republicano teve medo da "sombra" do tema instrumental antigo. E, por conta disso, optou por mantê-lo (o velho) como hino nacional, idealizando um concurso para escolha de uma letra. Que só veio a ser formalizada em 1922, quando do centenário da independência, com aquela letra que conhecemos, e que é lembrada por todos especialmente nas aberturas dos jogos de futebol.

Já o hino de Miguez e Medeiros de Albuquerque acabou ficou como "Hino à República". Um prêmio de consolação, é claro. Mas nada disso tira dele, na minha modesta opinião, a qualidade de mais lindo hino já composto, nas plagas brasileiras e em quaisquer outras. E, se o Ivan Lins gravou como canção popular o lindo "Hino à bandeira", se a Fafá de Belém gravou da mesma forma o "Hino Nacional", e se eu mesmo, no âmbito paroquial, fiz o arranjo em canção para a Lucila Novaes e os Tenores gravarem o "Hino de Avaré", aqui registro que ainda vou produzir uma gravação do "Hino da Proclamação da República", numa versão anti- marcial, quase instrumental, com vocalises e com a letra do refrão cantada. Já tenho o arranjo quase pronto. Um dia sai.

Por enquanto, fica aqui o meu registro sobre a extrema beleza desse hino com letra horrenda, que me causava pesadelos nas aulas de música com a Dona Célia, lá no "Coronel João Cruz", em Avaré.





segunda-feira, 16 de abril de 2012



LOUCURA FOI O TIM MAIA

Dentro da minha episódica carreira de produtor de festivais, subverti todas as recomendações racionais e acabei quebrando uma das regras básicas para os profissionais da área, naquela última década do século XX.

A primeira regra era : jamais contratar João Gilberto.

E a segunda regra : jamais contratar Tim Maia.

Não cheguei a me aventurar com João Gilberto, mas subverti a segunda regra. Em minha defesa, diga-se, como diria Jânio Quadros, que não fi-lo ou qui-lo por vontade própria, mas sim por força das circunstâncias.

A história é longa, e merece ser contada como uma suíte.

PRIMEIRO MOVIMENTO

Ocorre que em 1994, o show da final da Fampop, em Avaré, seria o de Lulu Santos. Já estava tudo certo. Por já “estava tudo certo”, entenda-se : estava apalavrado. Por “estava apalavrado”, entenda-se : estava no fio do bigode, entre a minha pessoa e o então empresário do artista, cujo nome fiz questão de esquecer.

(Lembro que naquela época não existia Internet, pelo menos não com a facilidade de acesso e a profusão que temos hoje. Os contratos artísticos, quando os contratantes moravam em cidades diferentes, eram enviados pelo correio, para a coleta da assinatura. No caso, o esquecível empresário do Lulu Santos, residente na cidade do Rio de Janeiro, firmou um compromisso comigo, no sentido de que o artista realizaria o seu show em Avaré, na noite do dia 10 de setembro de 1994, um sábado. E me enviou o contrato, com tudo acertado, para que eu o assinasse, e devolvesse a ele, que, finalmente, o assinaria, e me enviaria a cópia.)

O meu lado advogado me advertia a jamais contar com o compromisso sem o respectivo documento assinado. Estava eu, portanto, em São Paulo, aguardando o recebimento do contrato, já assinado por mim e enviado ao dito cujo, para anunciar o show à imprensa. E o contrato não chegava. Pior : o empresário de nome esquecível passou a não atender meus telefonemas.

Finalmente, depois de alguns dias de exasperante espera, e mais ou menos uma semana antes da coletiva de imprensa que anunciaria os shows, recebi dele um telefonema, num arrogante e carioquíssimo sotaque, e tivemos o seguinte diálogo:

- Cara, Lulu não vai mais fazer o show em Avaré !

- Como não vai fazer o show ?

- Não vai. Temos um show na sexta-feira numa cidade do interior do Rio, e pintou um show no dia seguinte numa cidade vizinha. Preferimos fazer por aqui mesmo, e não vamos fazer Avaré.

- Mas e o contrato, que já assinei e enviei pra você ?

- Não tem mais contrato. Não vamos fazer o show !

Fiquei indignado. Compromisso, acordo, palavra, não valia nada disso naquele mundinho arrogante. Mas, enfim, o que eu poderia fazer, tendo apenas uma semana pela frente para contratar um artista para o show de encerramento do festival ? Nada, absolutamente nada, a não ser buscar a contratação de outro artista, no curtíssimo prazo de que dispunha.

Liguei então para todos os empresários e produtores que conhecia e que não conhecia. Mas, àquela altura, faltando pouco mais de um mês para o evento, nenhum artista importante tinha data disponível.

Só me restou... Tim Maia.

E aí vem o ...

SEGUNDO MOVIMENTO

Como era a praxe, procurei o telefone do empresário do Tim Maia (e não existia o google naquele tempo). Ao contrário dos demais produtores, que tinham escritórios, anúncios em revistas, PABX, etc., o número que me levaria ao polêmico artista era o de um apart-hotel da Barra da Tijuca. O telefonema foi recebido na recepção do estabelecimento, e transferido para um determinado apartamento. Aí atendeu uma mulher, que ouviu meu interesse sobre o artista (tem essa data disponível ? qual o cachê?), se disse representante da Vitória Régia Produções, e me pediu para passar um fax com todos os detalhes.

Fiz isso, e em cinco minutos recebi a resposta, também via fax : a empresária de Tim Maia queria o equivalente a quarenta e cinco mil dólares !!!

(Eu já sabia que o cachê de Tim Maia, em cruzeiros reais (moeda da época), correspondia ao equivalente a doze ou treze mil dólares. Sim, naquela época o plano real era recém-criado, e ainda tínhamos a cultura de atrelarmos a nossa moeda à americana. Reflexos de um tempos de inflação alta. No ano anterior – 1993 -, eu contratara os Paralamas, então no auge, por quantia equivalente a quinze mil dólares)

Quarenta e cinco mil dólares para o TIM Maia, portanto, era um verdadeira extravagância. Contrariado, enviei imediatamente um fax em resposta, dizendo mais ou menos o seguinte : “esse valor é absurdo, e eu não voltarei a conversar nem por um valor equivalente a um terço dos quarenta e cinco mil. Estou indo pra minha casa, o telefone é tal, e se tiver algum interesse em fechar esse show, aguardo seu retorno lá”. Do trajeto do estúdio, do qual era sócio, até minha casa, demorei cerca de vinte minutos. Lembro que também não tínhamos celular, naquele tempo.

Quando lá cheguei, já estavam gravados dois ou três recados na minha secretária eletrônica, pedindo para ligar urgente “pro seo Tim Maia”.

Retornei a ligação, e aí tive um diálogo hilário com a empresária, que, depois vim a saber, era Adriana, então mulher do artista. Ela falava, e audivelmente, alguém cochichava o que deveria ser dito. Era o próprio Tim Maia, a orientando sobre o que falar :

- “Seo” Tim faz por 25 (barulho de cochichos).

- Você não entendeu, minha filha. Eu só tenho doze !

- “Seo” Tim quer que você venha aqui conversar com ele ! (barulho de cochichos)

- Eu estou em São Paulo, vocês na Barra da Tijuca. Eu só tenho doze, entendeu ?

E desliguei, nervoso, pois percebi que aquele show nunca seria fechado. Quarenta e cinco mil era uma quantia impossível. Vinte e cinco mil também. Até uns quinze seria possível chegar, mas a distância ainda era muito grande...

Nisso, passados dez minutos, recebo insólita ligação;

- Sou Fulana de tal, Vitória Régia, São Paulo. Estou ligando para lhe comunicar que o Tim Maia concorda em fazer o show por doze mil dólares.

Foi a negociação mais incrível da minha vida : em uma hora, Tim Maia baixou de quarenta e cinco para doze mil dólares o cachê !

Se eu soubesse, no entanto, o que viria pela frente, certamente teria recusado o contrato, mesmo pelo valor mais justo possível.

E a partir daí começa o estressante...

TERCEIRO MOVIMENTO

Tinha uma batata quente nas mãos. Que loucura : contratei o Tim Maia ! E agora?

Liguei para Deus e o mundo, para toda e qualquer pessoa que tivesse algum vínculo com ele, para saber como proceder, que providências tomar para que aquele desastre anunciado fosse o menos traumático possível.

(Para os que não sabem, Tim Maia, alem de compositor inspirado e cantor sensacional, tinha larga fama de dar calotes, faltar a shows, desmarcar compromissos em cima da hora, comparecer bêbado ou drogado a apresentações, etc...)

Tinha (e tenho) alguns amigos que eram próximos do Tim, como o Skowa, por exemplo. O que me disseram :

Recomendação 1 : colocar o horário do show como uma das condições mais importantes do contrato. No caso, o show seria após a apresentação das músicas do festival. A previsão era a de que Tim Maia entrasse no palco à meia-noite.

Recomendação 2 : exigir do artista que viajasse para Avaré um dia antes do show. Explicação : para as viagens de avião, ele consumia tal quantidade de drogas e álcool, que o risco de que não tivesse condições de se apresentar não era pequeno, ao viajar no mesmo dia.

Segui as duas recomendações à risca, e no contrato constava que Tim Maia deveria estar em Avaré no dia 09, sexta-feira, véspera do show. Constava também que o show começaria pontualmente à meia noite.

Não aconteceu, no entanto, nem uma coisa, nem outra.

O vôo do dia 09 de setembro foi cancelado, por conta das chuvas no Rio de Janeiro.

Por conta disso, vim a conhecer pessoalmente Tim Maia em Avaré, no sábado, dia 10, dia do show, por volta das 14h00, recém-chegado de São Paulo, onde desembarcara, vindo do Rio de Janeiro, naquela manhã. Estava no seu quarto no hotel Villa Verde, cercado por três produtoras (Adriana e mais duas), e mais duas ou três pessoas.

Me impressionou, já de cara, a sua péssima forma física. Estava inchado, muito gordo, com uma coloração doentia. Visivelmente drogado ou embriagado. Uma garrafa de Ballantine´s quase vazia estava à sua frente. E um cigarro estranho que parecia um charuto, de tão grande e volumoso, nas suas mãos. Cheguei com Silvia, então minha namorada, e Tim, apresentado, assim falou, de bate-pronto :

- Pô careca, como é que você conseguiu essa mulher tão bonita ?

Aí alguém contou uma piada, e ele contou outra piada, e eu ri, todos riram. Ao me ver rindo, disparou :

- Brodinho, você está rindo porque eu vim. Porque você sabe que às vezes eu não vou...

E gargalhou da auto-piada.

Saí do quarto preocupadíssimo. “Esse cara não vai conseguir fazer o show”, pensei. Conversei com Adriana, a líder do triunvirato de mulheres. E ela me tranqüilizou, dizendo que Tim iria dormir à tarde, e que estaria OK quando chegasse a hora da apresentação.

Fui então cuidar de outros assuntos, e só retornei ao hotel no final da tarde, já quase noite.

Entrei no saguão, e o trio feminino estava já na entrada, com ares visivelmente preocupados. Senti na hora um frio na espinha, e Adriana me disse :

- Ele não dormiu, e quer falar com você.

Fui. Entrei no quarto, e a cena era bizarra : Tim Maia debruçado numa bancada do apartamento, frente a um espelho, e ao lado de uma vela acesa. Olhava para seu reflexo. Nem se virou quando entrei, e bradou, de bate-pronto :

- Brodinho ! Vou atacar às nove !

- Não dá, Tim. O show é à meia-noite, tem o festival antes...

- EU VOU ATACAR ÀS NOVE, SEU FILHO DA PUTA DO CARALHO..

(e aí teve início uma sucessão de xingamentos, aos berros... )

- Eu vim aqui nesse lugar longe do caralho por esse cachêzinho merreca, e eu vou atacar às nove, vou sim ! Senão vou embora agora pro Rio de Janeiro, me chame um táxi, eu vou embora agora, vou embora, vou embora...

Fiquei perplexo, completamente aturdido com aquilo, e saí do quarto. Por uma coincidência, no mesmo momento saia do quarto da frente o octogenário Silvio Caldas, “patrono” do festival, com um olhar muito assustado pelos berros do seu vizinho de apartamento.

Me dirigi à recepção do hotel, onde estava o trio de produtoras, e no caminho até lá tudo ficou claro na minha mente : Tim Maia não faria o show à meia-noite. É claro : ele sabia que o seu limite físico estava próximo, era questão de poucas horas. E não queria que acontecesse de novo aquela história : “Tim Maia não faz o show, Tim Maia drogado”, etc. e tal. Portanto, o seu corpo lhe dizia : “Cara, você tem no máximo umas três ou quatro horas, depois disso você vai desabar”. E ele precisava “atacar às nove”, como me pedia e gritava desesperadamente.

Cheguei até o trio feminino e disse que Tim Maia abriria a noite. Isso significava que ele entraria no palco por volta das nove e meia, dez horas. Fui até a recepção e liguei para o Prefeito da cidade, Miguel Paulucci, e lhe contei toda a estória, e que a única alternativa era invertermos o programa, e começarmos com o show do Tim Maia. Liguei ainda pra rádio que transmitia o evento, para que divulgasse a inversão da ordem do festival.

Parecia que estava tudo administrado. Mas não estava não. E isso porque meu relógio marcava ainda 19h30 ! Ou seja : eu teria que “enrolar” Tim Maia, naquele estado irascível, por, pelo menos, duas horas ! Na recepção, que estava um tumulto, por conta dos gritos do artista, localizei o dono do hotel, Benedito D`Agostini, meu amigo, cara experimentado, matreiro, que sempre me dizia : “Se precisar de alguma coisa, me chame” ! Pois lhe dei uma das mais espinhosas tarefas de sua existência.

- Agostini, preciso que você demore duas horas para levar o Tim Maia até o ginásio !

Com uma espantosa naturalidade, ele me respondeu :

- Deixa comigo, eu me viro.

Dito isso, olhei para a entrada do hotel e lá já estava Tim Maia, com uma roupa azul brilhante – a sua indumentária de show – impacientíssimo, dando voltas, esbravejando, querendo ir logo para o local da apresentação.

Chamei a Guete, produtora que eu contratara para cuidar do artista, e embarcaram os três, numa camionete cabine dupla do Agostini. Rumo ao Ginásio de Esportes de Avaré, para o qual demandariam cerca de quinze minutos, em situações normais. Naquela situação anormalíssima, sabe-se lá de que maneira, precisariam de duas horas.

Entreguei tudo para o Divino. E aí começou o ...

QUARTO MOVIMENTO

Até hoje não sei exatamente o que conversaram Agostini, Guete e Tim Maia naquelas duas horas. Além do mais, Tim morreu em 1998, Agostini em 2007, só ficou a Guete pra contar a estória...Sei que foram para Arandu, Itaí, Cerqueira César, cidades próximas. A única forma de demorar todo esse tempo para chegar ao local do show era essa.

De quinze em quinze minutos, Tim bradava :

- Puta cidade grande do caralho ! Puta ginásio longe do caralho ! Nunca chega essa merda de ginásio !!!

E Agostini, habilmente, prometia lhe levar pra conhecer as “bocas de fumo” da cidade, pra mostrar não sei o que, e aí, enrolando aquele ser em estado impaciente e iracundo, conseguiu demorar duas horas para chegar ao ginásio, onde seria realizado o show.

A essa altura, o recinto estava bem cheio. Com capacidade para três mil pessoas, até as dez da noite lá estavam cerca de duas mil. Para isso, depois da chegada, tivemos que entreter Tim no camarim ainda durante uns vinte minutos. Levei o prefeito Miguel, com sua jovem esposa, Rosana. Tim não perdoou :

- Ô Prefeito, porque só tem prefeito branco, não tem prefeito preto no Brasil ?

- Quer trocar de mulher ? Eu dou essas três aqui, me dá em troca a sua bonitona aí!

Finalmente, depois de tanto stress, a excelente banda Vitória Régia começou a tocar, e Tim Maia entrou no palco.

Faltava, no entanto, um último incidente. Como o festival seria antes do show, na frente do palco fora reservado um espaço para o júri (que, naquele ano, tinha gente como Zuza Homem de Mello, Itamar Assunção, Celso Masson, Derico Sciotti, Helton Altmann, Sérgio Santos, Moacyr Luz). Quando a banda entrou no palco, Tim percebeu aquele vazio entre ele e a plateia. Parou tudo, gritou : “para, para, para !”, cruzou os braços, e ficou de costas para o público, gritando : “se não liberar aí não tem show !”

Os seguranças, com grande dificuldade, tentavam conter o público, que queria invadir o espaço reservado. Só me faltava essa agora ! Eu e Fábio Martins, da comissão organizadora, corremos para a frente do palco, gritando para os seguranças : “Libera !” “Libera !”

Liberaram, e em segundos o público tomou todo o espaço reservado ao júri.

E aí teve início uma mistura de show/embromation que durou uns cinquenta minutos.

Tim Maia estava visivelmente baleado. Cambaleando. Sem fôlego. Por sorte, a banda Vitória Régia era excelente. O cantor cantava apenas as introduções : “Me dê motivo”; “Eu preciso lhe falar”; “Vou pedir pra você voltar”, e as vocalistas e os músicos da banda faziam o resto. Enquanto isso, ele reclamava do som (“Mais retorno”, “mais grave”), jogava discos de vinil para a plateia, usava colírio, tomava líquido. Estava no seu limite.

Ergui as mãos para o céu e agradeci. Para mim, que sabia do seu estado deplorável desde as duas horas da tarde, era um milagre ele estar naquele palco, cantando ou embromando. Parecia que a partida estava ganha, mesmo que por um a zero, com um gol de pênalti duvidoso no final. Mas ganha.

Mas o drama tinha mais um capítulo ainda.

Como disse, Tim ficou cinquenta minutos em cima do palco, não aguentava mais, saiu de fininho e foi para o camarim. Se tudo acabasse ali, estaria no lucro. Chegou ao camarim e desabou, a ponto de precisarmos chamar um médico. Enquanto isso, não sei quem disparou o sinal de “bis” para banda. Não acreditei quando, vendo aquele corpanzil estirado no sofá do camarim, arfando, sem condições de se levantar, meus ouvidos foram invadidos pela introdução de metais de “Do leme ao pontal”, o bis clássico dos shows de Tim Maia.

Foi um pandemônio. Enquanto algum roadie avisava a banda que era pra cancelar a operação, eu corri atrás do apresentador, Beto Pampa, que teria a ingrata tarefa de dar continuidade ao festival, naquele anticlímax no qual duas mil pessoas aguardavam a volta de Tim Maia ao palco.

Durante uns cinco minutos, a banda Vitória Régia repetiu e repetiu “ad nauseam” aquela introdução de metais, sem saber como fazer para passar o bastão para o apresentador. Finalmente, combinaram entre eles o desfecho, e duas notas secas e agudas deram o fecho àquela patética performance. Aí entrou Beto Pampa :

- Boa noite, Avaré !

Vaia ensurdecedora. Enquanto isso, Tim Maia saia carregado do ginásio.

Menos mal que, após todo esse stress, as duas mil pessoas assistiram a uma das mais importantes edições da história do festival, que foi vencida pelo carioca Luiz Carlos da Vila, com “Carvão e giz” (parceria com Paulo César Feital), tendo entre os participantes autores e intérpretes como Zeca Baleiro, Carlos Careqa, Arrigo Barnabé, Aldir Blanc, Ivor Lancelotti, Virginia Rosa, Miriam Maria, Rita Ribeiro, Roberto Menescal, Rafael Altério, Lincoln Antonio, Paulo César Pinheiro, Fátima Guedes e Telma Tavares, dentre outros.

EPÍLOGO

Dois dias depois, estava eu frente à TV, vendo o mesmo Tim Maia no programa da Hebe, com a mesma roupa escarlate brilhante, o mesmo corpanzil inchado, a mesma atmosfera de visível embriaguez.

- Tim, meu querido, você está ótimo, que bom que nunca mais falaram que você bebe, que você tem problemas nos shows, não é mesmo ?

- Hebe, parei de fumar, cheirar e beber, só minto um pouquinho...

(Um aperitivo do livro de crônicas que lançarei, quiçá, em 2013)

sábado, 23 de abril de 2011

MEIO ALMODOVAR - canção


Dois anos sem escrever no blog, que vergonha ! Como justificativa, posso dizer que nesse período muitas coisas mudaram na minha vida pessoal e profissional. Do pessoal, quem me é próximo sabe. Do profissional, basta dizer que lancei dois discos nesse período, “Aldeia” (2009) e o recém- lançado “Goa”, que vai virar DVD/CD ao vivo, gravado no SESC da Vila Mariana, em São Paulo, no dia 12 de abril de 2011. Isso sem contar o “Amor até o fim”, dos Trovadores Urbanos (2010), disco complexo e extenso, trabalho suficiente, portanto, pra justificar falta de tempo.

Está na lista de minhas resoluções pra 2011, rs... : prometo ser mais assíduo, pessoal !

De qualquer maneira, estou aqui, de volta ao “De cabeceira”. Teria várias coisas pra comentar, pra destacar, assuntos pra virarem tópicos do blog. A seu tempo, eles serão postados. Mas preferi reinaugurar o espaço falando de uma canção que faz parte do meu disco “Goa”. Sei que elogio em boca própria é vitupério, mas, como verão, não se trata disso, eis que aqui estarei apenas como narrador objetivo de fatos. Ademais, não apenas por ser uma música importante da minha discografia, mas também porque, além do curioso processo de sua criação, que narrarei adiante, ela me apresentou uma série de bônus e ônus em feed backs na Internet, que bem ilustram as possibilidades e loucuras que permeiam o espaço internético nesses nossos tempos.

A história é a seguinte : Fiz o começo dessa letra há um ano e meio, dois anos, mais ou menos. Já estava gravando o disco, e pensei : “essa é pro Lenine”. Amigos há muito tempo, já tínhamos falado em uma parceria, nunca concretizada. Entreguei-lhe, então, um início de letra, que era o seguinte: “Foi só um ensaio / foi só um insight / durou muito pouco / doeu muito mais / foi trailer de filme / ensaio de orquestra / foi jogo suspenso / no auge da festa / foi curto e intenso / canção de Caymmi / foi meio Almodóvar / foi meio Fellini / foi como um cometa / no céu da cidade / foi breve promessa de felicidade”.

Ele gostou, e ficamos de combinar o próximo capítulo. Nesse interregno, continuei gravando o disco, e as músicas foram ficando prontas, a coisa avançando...e nossas agendas não combinavam. Fui pro Rio, ele veio pra São Paulo, mas sempre na correria, sempre sem tempo, e o tempo passando...

Aí chegou um momento em que olhei o calendário e falei pra mim mesmo : “ou eu mudo tudo ou não vai rolar essa música”. E, realmente, estávamos no início de setembro (de 2010), o disco já tinha pré-lançamento programado para o final de novembro, e todas as outras faixas estavam praticamente prontas. Eu tinha umas três semanas, no máximo, pra que a música fosse concluída, para que eu a gravasse, mixasse e masterizasse com as demais canções do disco, pra que desse tempo do produto ser finalizado até a data agendada.

Diante dessa impossibilidade temporal, liguei pro Lenine e combinei o seguinte : “me devolva a letra, que eu termino a canção, e aí cantamos juntos na gravação”.

Ele topou, e aí eu tive que pegar aquela letra dolorida, reviver de novo as razões pelas quais escrevera aquilo, e avançar mais ainda num masoquismo saudável (porque artístico) mas ainda assim incômodo e auto-flagelante. Me debrucei sobre aquela história durante alguns dias, e a música saiu, com começo, meio e fim. Com aquela letra original, agora musicada por mim, com introdução vocal e tudo, e mais um refrão, com os seguintes versos : “eu morro de saudades do que era pra viver/ e vivo da viagem de reencontrar você/ meus olhos do passado num futuro que nem sei/ de tantas outras vidas/ mil pontos de partida/ e todos os detalhes do que não aconteceu/ repetem o roteiro pra mostrar você e eu/ o filme recomeça e nunca chega até o fim / e nessa nova vida / não tem a despedida”.

Demorou uma semana, digamos, pra que eu a concluísse. Mostrei ao Fontanetti, produtor do disco, que criou a levada do violão, chamou o grande baixista Silvinho Mazzucca, e o também excelente baterista Sérgio Reze. Em mais uma semana, a base de violão, guitarra e baixo estava pronta. Quando chegou esse momento, eu já fizera mais uma parte da letra, para ser cantada na repetição da melodia da primeira parte: “foi só a voz guia/ foi nem a metade / foi estrela guia / foi tanta verdade / um mero rascunho / mas foi divindade / grafite no muro da minha saudade”.

Estava pronta a canção.

Gravei os vocais, cantei a música em dois canais. E aí Fontanetti enviou aquelas gravações instrumentais/vocais por email para o Tolstoi Junior, guitarrista do Lenine, que recebeu os arquivos, e, equilibrando a agenda do seu estúdio com a já louca agenda do galego, conseguiu um espaço pra gravação daquela participação especial.

Liguei pra ele : “Lenine, quer que eu também te mande a gravação pra você ir ouvindo a música ?” A resposta : “Não quero ouvir nada antes. Quero chegar no estúdio sem conhecer nada, pra gravar com a emoção da primeira audição”.

Senhoras e senhores, deu certo, mas foi aos 45 do segundo tempo. Quase na prorrogação. Recebemos a gravação das vozes de Lenine na madrugada de sexta-feira, dia 8 de outubro. Ele a gravara algumas horas antes. Na tarde daquela mesma sexta-feira, eu iria pra Avaré, dirigir o festival, que seria finalizado no domingo, dia 10, com show de Caetano Veloso. No dia 11, segunda-feira, eu deveria estar novamente em São Paulo, para a masterização do disco, às dez da manhã.

Foi a toque de caixa, portanto, que Fontanetti e eu editamos as vozes, de Lenine e a minha. Ambos tínhamos gravado a música inteira, em dois canais. Quem canta primeiro ? Quem canta depois ? Quem faz a primeira voz ? Quem faz a segunda ? Definimos o mapa da coisa, e aí eu saí de viagem, deixando ao produtor a finalização do trabalho, com a gravação do piano do José Godoy, e a mixagem da canção.

(digno de registro que me emocionou a sensibilidade e generosidade do meu companheiro de gravação, que arrasou em sua participação).

Tudo deu certo, afinal. A música recém-composta, a gravação de afogadilho, pela Internet, a finalização na tal undécima hora...

Masterizamos no prazo, o disco ficou pronto.

(Pra quem ainda não conhece e quiser ouvir o resultado final, eis um link do youtube : http://www.youtube.com/watch?v=BtnaK4JKkQ8)

Lançado o "Goa", “Meio Almodóvar” logo começou a ser executada em algumas rádios, e teve início um impressionante retorno na Internet, de pessoas tocadas pela canção. Em redes sociais, em blogs, no You tube... Na verdade, tudo é muito recente. A caminhada está no comecinho (afinal, a música foi criada há pouco mais de seis meses...), mas a largada, saibam, foi muito promissora.

E aí veio uma espécie de efeito colateral da coisa. Fui gravar um programa de TV, e a produtora perguntou à minha assessora de imprensa : “só confirmando a autoria da música : Nado Siqueira e Juca Novaes, é isso ?”

“NADO SIQUEIRA ? Como assim ? Quem é Nado Siqueira ?”

Pois é, gente. Quem é Nado Siqueira ? Procurem por “Meio Almodóvar” no Google. Em vários sites constará a autoria como “Nado Siqueira/ Juca Novaes”.

Vejam só. Pra chegar ao “Meio Almodóvar”, eu, no mínimo, assisti a todos os filmes do Almodóvar e do Fellini, ouvi canções de Caymmi e de tantos outros, gravei quinze discos, e portanto gravei muitas vozes guias, vi cometas no céu da cidade, criei mais de 200 canções, li e ralei pra caramba, aprendi a canalizar minhas paixões pra musica, tive uma experiência pessoal riquíssima que inspirou essa canção, e o Nado Siqueira, que nem sei quem é, chega sem passar por nada disso e, assim, subitamente, sem aviso prévio, vira uma espécie de sócio ?

Que a Internet é terra de ninguém, eu já sabia. Que os dados que surgem nos websites e páginas do gênero precisam ser checados, também sabia. Que é preciso separar o joio do trigo nessa imensa quantidade de dados e informações, também sabia. A única coisa da qual não sabia fica na pergunta que deixo aqui, pra encerrar esse meu alegro ma non troppo :

Gente, afinal, quem é Nado Siqueira ????

terça-feira, 21 de abril de 2009

A CARA DO BRASIL - canção



Conheci Celso Viáfora em 1983, no primeiro festival de Avaré. Eu noviço na área, ele já experiente, tendo sido finalista no famoso festival da TV Cultura, e premiado em muitos outros. Ficamos amigos de cara, pois, além de ser totalmente do bem, ele também é formado em direito. E corinthiano roxo. Essa rara equação música - direito - Corinthians nos rendeu, desde sempre, muitas conversas à frente de garrafas de cerveja.


Naquele primeiro festival, ele não foi premiado, e após o evento fez um samba lindo, ainda inédito (que prometo que vou gravar um dia), chamado “Coração afobado”, falando daquela sua experiência de desclassificado. No ano seguinte, voltou com a poderosa “Grão da terra”, e arrebatou o primeiro lugar. Como em 1985 foi o vice-campeão, decidimos tirá-lo da competição, e desde então já fez de tudo no pedaço : foi jurado, fez shows, foi membro da comissão de pré-seleção, participou do encontro de letristas, das rodas de violão, dos jogos de futebol... virou sócio honorário da Fampop, como outros que por lá passaram e fizeram história (como, dentre outros, Jean Garfunkel, Lenine, Moacyr Luz, Rafael Altério, Chico César, Zeca Baleiro, Jorge Vercilo, Professor Pasquale, Zuza Homem de Mello...)


Mas o fato é que o Celso se tornou um dos maiores compositores de uma geração que ficou órfã, no panorama da música popular produzida no Brasil. A geração que era pra surgir no pós – 85, quando foi realizado o último festival de TV realmente influente, aquele que lançou Leila Pinheiro, e que acabou com a vitória de Tetê Espíndola cantando “Escrito nas estrelas”, de Arnaldo Black e Carlos Rennó. Depois daquele festival, as coisas mudaram para pior, e o jabá se consolidou cada vez mais como único critério de execução nas rádios. Não é à toa que Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano, ao escreverem a estupenda obra (em dois volumes) "A canção no tempo", pela editora 34, tenham parado exatamente no ano de 1985, como o último em que valeria a pena ser dimensionada a trajetória da música popular feita no Brasil. Aliás, quem gosta desse assunto não pode deixar de ter esses dois livros. É referência obrigatória.


Voltando ao que estava dizendo : é claro que esse novo cenário tem a ver, também, com a extinção dos grandes festivais televisivos. Até porque esses eventos eram a única janela realmente democrática para surgimento de novos compositores e intérpretes. Vários dos meus ídolos saíram dos festivais, desde aqueles dos célebres anos 60 (Chico, Gil, Caetano, Edu Lobo, Milton Nascimento, Dori Caymmi, Elis Regina, MPB-4), até os dos anos 70 (Ivan Lins, Djavan, Alceu Valença, Luiz Melodia, Walter Franco...). Embora sempre existam teorias conspiratórias sobre os resultados de alguns desses eventos, a verdade é que os festivais das TVs Excelsior, Record, Tupi, Globo, representavam outros tempos, nos quais novas músicas viravam sucesso do dia pra noite porque o público dos festivais assim o queria, e não por conta de elucubrações prévias de gravadoras, como passou a ocorrer a partir do final dos anos 80. A partir daí, tiraram a opção de escolha do público, com o fim dos festivais, iniciando a invenção sucessiva de gêneros monolíticos, que passaram a dominar o mercado a cada verão : inventaram a onda sertaneja, depois a onda do axé, depois a onda do funk, depois... sempre temperada com muito, muito jabá.
Se isso não bastasse, a maior divulgadora e incentivadora dos novos compositores havia falecido no início dos anos 80, sem deixar sucessora : Elis Regina. Que lançou em primeira mão não apenas Ivan, Milton, Gil, João Bosco... mas também Jean Garfunkel, Thomas Roth, Renato Teixeira. E que, imagino, lançaria, dentre outros, Celso Viáfora.

Celso é um dos expoentes de uma geração que cresceu aprendendo a fazer músicas com harmonia, melodia, letra, canções que tinham idéia e elaboração. No mundo pós-Elis Regina, pós-festivais, ou seja, na geração jabá, esse tipo de artista deixou de fazer sentido. Com a falta de espaço, muitos desses criadores, a partir do meio dos anos 80, passaram a mostrar seu trabalho em festivais como o de Avaré. Celso passou por lá, Luiz Carlos da Vila também, Kleber Albuquerque também, Rita Ribeiro também, Virginia Rosa também, Ceumar também (isso pra não não falar dos sempre citados Lenine, Chico César, Zeca Baleiro, Jorge Vercilo, Moacyr Luz). Zuza resumiu isso num texto de 1996 : "Avaré viu e ouviu primeiro". Pois se os festivais das redes de TV não tivessem parado em 1985, teria sido o Brasil como um todo, do Oiapoque ao Chuí, a ouvir esses nomes e suas canções, há muitos e muitos anos...


Celso Viáfora é um artista completo, como compositor, letrista, instrumentista e intérprete. Imagino se, com essa capacidade de fazer canções inventivas e poderosas, ele tivesse iniciado carreira em outras épocas menos tormentosas para criadores do seu naipe. Estaria, não tenho dúvidas, ao lado dos maiores nomes da chamada MPB, não apenas para poucos iniciados, jornalistas e críticos, mas para o público consumidor de música popular brasileira.


Em vinte e tantos anos de carreira, gravou uma meia dúzia de discos, gerando uma obra com várias canções irretocáveis. Iniciou uma bem sucedida parceria com Ivan Lins, do qual destaco pelo menos um clássico : o samba “Emoldurada”. E tem uma outra parceria que gerou uma usina de canções bem feitas e que merecem ser conhecidas : com o baiano de Serrinha Vicente Barreto, compositor cheio e suingue, com uma mão de direita inigualável no violão.

Pois pelo menos uma das criações da fábrica Barreto/Viáfora é uma das minhas canções preferidas : “A cara do Brasil”, gravada por Celso e também por Ney Matogrosso. Poucas vezes um texto descreveu com tanta lucidez, riqueza poética e criatividade os contrastes e contradições do brasileiro. Tive a honra de cantar no vocal que gravou a primeira versão, no disco homônimo, do próprio Celso, produzido por Helton Altman, no antigo estúdio da RGE, na Avenida Marquês de São Vicente.
Eis, enfim, uma canção que poderia fazer parte de qualquer antologia da música popular produzida no Brasil, dos últimos 20 anos.
De cabeceira, sem dúvida.


A CARA DO BRASIL

Eu estava esparramado na rede

jeca urbanóide de papo pro ar

me bateu a pergunta, meio à esmo:

na verdade, o Brasil o que será?

O Brasil é o homem que tem sede

ou quem vive da seca do sertão?

Ou será que o Brasil dos dois é o mesmo

o que vai é o que vem na contra-mão?
O Brasil é um caboclo sem dinheiro

procurando o doutor nalgum lugar

ou será o professor Darcy Ribeiro

que fugiu do hospital pra se tratar

A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho

Ninguém precisa consertar

Se não der certo a gente se virar sozinho

decerto então nunca vai dar

O Brasil é o que tem talher de prata

ou aquele que só come com a mão?

Ou será que o Brasil é o que não come

o Brasil gordo na contradição?

O Brasil que bate tambor de lata

ou que bate carteira na estação?

O Brasil é o lixo que consome

ou tem nele o maná da criação?

Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho

que é o Brasil zero a zero e campeão

ou o Brasil que parou pelo caminho:

Zico, Sócrates, Júnior e Falcão

A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho...

O Brasil é uma foto do Betinho

ou um vídeo da Favela Naval?

São os Trens da Alegria de Brasília

ou os trens de subúrbio da Central?

Brasil-globo de Roberto Marinho?

Brasil-bairro: Carlinhos-Candeal?

Quem vê, do Vidigal, o mar e as ilhas

ou quem das ilhas vê o Vidigal?

O Brasil encharcado, palafita?

Seco açude sangrado, chapadão?

Ou será que é uma Avenida Paulista?

Qual a cara da cara da nação?

A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho ...


Serviço – para ver e ouvir “Cara do Brasil” com Celso Viáfora
http://www.youtube.com/watch?v=tQCJfC-eiJI

para ouvir a versão de Ney Matogrosso :

http://www.youtube.com/watch?v=GUQ7nWb_d58&feature=related

domingo, 5 de abril de 2009

GUARDANAPOS DE PAPEL - canção



Canção, eis a paixão da minha existência.

Sendo mais específico, a chamada canção popular urbana : aquela que todos os que tem mais de vinte e cinco anos aprenderam a conhecer, ouvir e curtir, seja da lavra de um Chico Buarque, seja de um Nando Reis, seja de um Tom Jobim, seja de um Stevie Wonder, seja de uma Adriana Calcanhoto, seja de um Paul Mcartney, seja de um Vander Lee, seja de um Lenine...

O que motivou cada um desses autores a fazer essa ou aquela canção ? Em que contexto foi criada ? Quais os seus elementos ?

Falo da canção cujo formato se delineou no decorrer do século XX, com melodia, letra, harmonia, ritmo. A partir dos anos 60, essa canção popular deixou de ser um objeto apenas de entretenimento, e passou a representar algo mais sólido, culturalmente falando. No Brasil, passou a ter um patamar similar à literatura, ao teatro... Eu me acostumei a ver a canção a partir desse ângulo de visão. Nos anos 70, por exemplo, cada disco novo do Chico Buarque, do Gilberto Gil, do Milton Nascimento, era recebido como um baú cheio de maravilhas. A conjuntura política de então conferia um sentido diferente àquelas obras, estimulava os autores a usar cada vez mais criatividade para driblar a proibição de falar sobre determinados temas ou abordagens. Certamente, esse clima pesado estimulou a criação. Porisso, as canções daqueles LPs lançados naqueles anos ficaram entranhados em nossas almas. Cada acorde, cada verso daquelas músicas estão em nossas memórias afetivas, tanto os momentos mais brilhantes, como até aqueles nem tão criativos.

Há alguns anos, teve início uma discussão, iniciada pelo escritor e crítico musical José Ramos Tinhorão, tendo como eixo o entendimento de que a “canção acabou”, e que o rap seria a nova forma de instrumentalizar a música popular, nesse cenário repleto de inovações tecnológicas, digitalização, difusão da música na rede Web, etc. Os novos formatos de canção popular, diz Tinhorão, privilegiam o ritmo e a palavra, sendo que outros elementos, como harmonia e melodia, fariam parte de um espécime em extinção.

A questão é polêmica, e prometo voltar a ela num outro post. Por hora, quero dizer que tudo o que escrevi até aqui, na verdade, é só um preâmbulo para falar de uma das minhas canções de cabeceira, daquelas que o autor acertou “na veia”. Isso não acontece a toda hora. Às vezes, é por causa da letra. Outras vezes, por causa do refrão. Ou por causa da melodia. Ou daqueles acordes. Ou do tema. Ou da construção da coisa. Sabemos reconhecer quando a canção nos pega, nos toca, de alguma maneira. Falei disso na letra de uma canção que fiz com Edu Santhana, “Decolagem” : “vai saber / se na palavra ou no som / acende um brilho de néon/ bem lá no fundo, coração, alma da gente” . Em suma, falo de canção que nos faz ter uma inveja saudável, tipo “essa eu queria ter feito”.

E eu queria ter feito "Guardanapos de papel".

Canção criada por um uruguaio, Leo Masliah, sob título “Birromes y servilletas”. Essa canção foi vertida para o português pelo carioca Carlos Sandroni, com o nome “Guardanapos de papel”, quase uma tradução literal da letra original. A irmã de Carlos, Clara Sandroni, gravou essa versão, no disco que lançou pela gravadora Kuarup, em 1987.

Me apaixonei, fiquei enlouquecido por essa música. Tanto que quando produzi o CD de minha irmã Lucila, quase dez anos depois, sugeri que ela a gravasse. Mas a canção não combinava com o restante do disco. Foi então que Milton Nascimento a gravou, em seu disco “Nascimento”. Lindamente. Em duas versões : a original, em espanhol, e a versão em português. Para os que conheciam o original em espanhol, a versão em português ficou muito mais bonita. A versão de Leo Masliah é mais rápida, quase irônica. As versões de Clara Sandroni e, principalmente, a de Milton Nascimento, conferiram um lirismo, uma força à canção que a matriz não tinha.

É uma elegia, uma ode aos poetas da canção. Melodia inspirada, letra poderosa, com imagens de grande beleza. Se tivesse sido lançada num dos discos de Milton Nascimento dos anos 70, certamente seria uma referência, cantada nos bares país e mundo afora, indicada em provas do vestibular... Como só veio à luz quando a mídia já não se importa mais pelos discos de Milton Nascimento, ela ficou quase como uma obscura pedra preciosa, compartilhada silenciosamente por aqueles mais ligados ao universo da música.


“Guardanapos de papel” é uma das minhas canções de cabeceira.


Na minha cidade tem poetas, poetas
Que chegam sem tambores nem trombetas
Trombetas e sempre aparecem quando
Menos aguardados, guardados, guardados
Entre livros e sapatos, em baús empoeirados
Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares
Onde vivem com seus pares, seus pares
Seus pares e convivem com fantasmas
Multicores de cores, de cores
Que te pintam as olheiras
E te pedem que não chores
Suas ilusões são repartidas, partidas
Partidas entre mortos e feridas, feridas
Feridas mas resistem com palavras
Confundidas, fundidas, fundidas
Ao seu triste passo lento
Pelas ruas e avenidas
Não desejam glorias nem medalhas, medalhas
Medalhas, se contentam
Com migalhas, migalhas, migalhas
De canções e brincadeiras com seus
Versos dispersos, dispersos
Obcecados pela busca de tesouros submersos
Fazem quatrocentos mil projetos
Projetos, projetos, que jamais são
Alcançados, cansados, cansados nada disso
Importa enquanto eles escrevem, escrevem
Escrevem o que sabem que não sabem
E o que dizem que não devem
Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas
Como se fossem cometas, cometas, cometas
Num estranho céu de estrelas idiotas
E outras e outras
Cujo brilho sem barulho
Veste suas caudas tortas
Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas
Esvaindo-se em milhares, milhares, milhares
De palavras retrocedendo-se confusas, confusas
Confusas, em delgados guardanapos
Feito moscas inconclusas
Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
E sendo eles poetas de verdade
Enquanto espiam e piram e piram
Não se cansam de falar
Do que eles juram que não viram
Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas
Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas
Lançadas ao espaço e ao mundo inteiro
Inteiro, inteiro, fossem vendo pra
Depois voltar pro Rio de Janeiro
Serviço :
Pra ouvir a versão de Milton Nascimento :
Para ouvir e ver a verão de Clara Sandroni :
Para ouvir e ver a versão original de Leo Masliah :

quarta-feira, 1 de abril de 2009

MUSICAL FM - rádio





Falar de programação de rádio nos dias de hoje é falar sobre o deserto. Todo mundo já sabe como a coisa funciona : há uma barreira intransponível que impede o acesso de artistas independentes ou fora das grandes gravadoras à execução nas rádios. Já há muito tempo, impera a payola (conforme é chamada nos States), o nosso já famoso jabá. Relações comerciais pouco edificantes entre as emissoras de rádio - concessões públicas - e as grandes corporações de entretenimento. Com algumas variações, esse é o panorama predominante. Porisso, ouvimos as mesmíssimas músicas em todas as rádios, com honrosas exceções.

E uma dessas honrosas exceções faz, nos dias de hoje, muita falta aos ouvintes da capital paulista, desde que se tornou mais uma difusora do evangelismo, no início dessa década. Pois antes dessa conversão religiosa, durante toda a segunda metade dos anos 90, ela só tocava música brasileira, música boa e - testemunho eu - sem jabá : rádio Musical FM. 105,7.

Foi a rádio que lançou Chico César, com "À primeira vista". Que lançou Zélia Duncan. Que tocava Celso Viáfora, Eduardo Gudin, Celso Fonseca. Tocava Cássia Eller, mas também tocava Simone Guimarães. Tocava Lulu Santos, mas também tocava Renato Braz. Tocava Rita Lee, mas também tocava Fátima Guedes. Tocava Caetano Veloso, mas também tocava Madan. Tocava Kid Abelha, mas também tocava Rita Ribeiro. Foi a primeira vez que me senti audível como artista, pois duas faixas do disco da dupla Juca Novaes e Edu Santhana tocavam direto na programação.

E a história mais linda que vivi como produtor de festivais ocorreu por causa da Musical FM. Em 1996, quando eu então era um dos artistas mais executados na programação da rádio, convidei Maurício Barreira, diretor de programação da dita cuja, para figurar como jurado na Fampop, em Avaré. Foi um dos melhores anos do evento. Pra comecar, o diretor musical do festival era nada mais, nada menos do que... Toninho Horta ! Além dos shows de Rita Lee, Beth Carvalho, Djavan (patrono do festival) e Kid Abelha, o vencedor ganharia um carro, e faria um show no Tom Brasil, em São Paulo. Chegaram à final fortes concorrentes, como Sérgio Santos, Moacyr Luz, Rafael Altério, Kléber Albuquerque, Keco Brandão, Jorge Vercilo, Luiz Carlos Borges. A minha preferida era uma canção do então pouco conhecido Zeca Baleiro, de nome "Dindinha", interpretada pela cantora Ceumar.

A disputa foi acirrada, e "Dindinha" acabou nem sendo premiada. Ceumar chorou, foi uma frustração, pois a música estava cotada como uma das vencedoras, inclusive por alguns jurados, como o próprio Mauricio Barreira (só como registro, estavam também no júri a cantora Alaíde Costa, os instrumentistas Derico Sciotti e Carlinhos Antunes, o letrista e produtor Costa Netto, o maestro Laércio de Freitas, o jornalista Mauro Dias, o produtor Paulo Amorim).

Naquela época, o disco do festival era gravado ao vivo, pelo craque Egídio Conde, da empresa Audiomobile. Som da melhor qualidade. Mixamos o disco, e dez dias depois da final do evento, já estava eu com duas cópias da "master" do CD nas mãos. Me lembrei imediatamente do Mauricio Barreira, e foi com ele que deixei uma das vias daquele trabalho. Quem sabe a Musical FM não tocaria aquele disco ?

Dois dias depois, ouvi "Dindinha" tocando na rádio. Pra encurtar a história, basta dizer que, três meses depois disso, já era a música mais pedida da programação. Virou hit. Zeca Baleiro e Ceumar não ganharam nenhum dos prêmios do festival, mas o mesmo festival lhes propiciou a abertura de uma porta muito mais importante.

O que aconteceu depois foi digno de filme pastelão. Enquanto a música "estourava" na Musical FM, lá em Avaré tomava posse como prefeito um cidadão que notóriamente não gostava daquele tipo de evento, sendo mais afeiçoado ao mundo country. Tanto que simplesmente não foi retirar o disco do festival, pronto na fábrica. Exatamente o disco que tinha não só "Dindinha" , mas também "Cedo ou tarde" , de Keco Brandao e Rita Altério, na voz de Daisy Cordeiro, que também se tornou um sucesso na mesma Musical FM. Em outras palavras : uma das principais rádios de São Paulo tocava sem parar duas músicas de um disco de um festival do interior que, por motivos bisonhamente políticos, sequer fora lançado. E. aliás, só foi lançado um ano e meio depois, quando a própria rádio, em parceria com a gravadora Dabliú, lançou uma coletânea, intitulada "Gema do novo", contendo as duas canções. Na ocasião, aproveitando tal lançamento, fiz um escândalo na imprensa da região, e poucos dias depois o disco foi retirado da fábrica pela prefeitura.

O vencedor daquele festival foi o excelente compositor carioca Moacyr Luz, com "O tocador é bom". Já ganhara o festival em 1991, com "Alafim", soberba parceria com Aldir Blanc. Naquela edição de 1996, eu queria convidá-lo para o júri, dentro de uma sistemática que tínhamos, de convidar para fazer um show ou colocar como jurado o artista que já tivesse sido premiado ou vencido o evento por mais de uma edição. Quando o convidei para ser jurado, ele relutou, me disse que não gostava de julgar colegas... e me perguntou :

- Qual o premio para o vencedor do festival ?

- Um carro e um show no Tom Brasil

- Posso te responder amanhã ? Vou tentar fazer uma música hoje pra me inscrever no festival. Se não conseguir terminar a música, aceitarei seu convite e irei de jurado.

Fez a música naquela madrugada, me ligou e disse :
- Desculpe, mas vou me inscrever. E vou ganhar o festival.

Ganhou mesmo. E Moacyr Luz também tocava na Musical FM.
Serviço :
Para ouvir um trecho de "Que o tocador é bom": http://amiestreet.com/music/moacyr-luz/mandingueiro/o-tocador-bom